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O frio na barriga e as fortes emoções
“Foi por medo de avião
Que eu segurei
Pela primeira vez
A tua mão”.
Já dizia o reaparecido Belchior na música “Medo de avião“. (…) Descobri esses dias um estudo antigo, da década de 70, que mostra o papel do medo na atração entre os sexos.
Leia a íntegra do texto no Portal do Estadão.
A verdade e Pirandello
Se eu tinha alguma dúvida, não tenho mais: Pirandello é mesmo meu autor favorito. Acabo de ler a peça Assim é (se lhe parece) e fiquei fascinado.
Conta a história de um funcionário novo que chega à cidade após um terremoto ter destruído completamente seu vilarejo. Ele vem com a esposa e a sogra, e o trio é cercado de mistérios, pois a mulher fica dia e noite trancada no alto de um prédio, só falando com a mãe pela janela. Os habitantes da cidade põe-se em polvorosa tentando descobrir as razões daquele arranjo tão singular, girando a peça inteira em torno das especulações e maquinações mil que se fazem para descobrir a verdade.
A primeira explicação é dada pela sogra, que diz que o genro a impede de ver a filha. “Ah, que cruel”, dizem todos. Na sequência vem o genro e diz que a sogra é louca, que não sabe que a filha morreu, mas que mantém a farsa para poupá-la. “Ah, que bondoso”, pensam. Contudo a sogra retorna e diz que sabe que o genro diz que ela é louca, e só não contesta para não criar um caso ainda maior. E assim “a verdade” parece estar sempre fugindo entre os dedos dos personagens, que a cada conversa ficam mais confusos. Apenas Laudisi, o cunhado impertinente, parece se divertir com a situação, justamente porque acredita ser impossível chegar à tal verdade, afirmando que cada um tem a sua versão, ambas “verdadeiras” para eles. Resignado, não sofre com a angústia da incerteza que aflige os outros.
É uma lição e tanto. Na prática clínica somos o tempo todo desafiados a chegar à verdade do que está acontecendo com o paciente, mesmo com informações incompletas. Imagine como isso é dificultado quando estamos falando de psiquiatria, onde a subjetividade impera. E ainda mais quando investidos do papel de peritos, com a função de produzir provas para a justiça (a prova pericial). Como na peça, a cada consulta a verdade parece ir de um lado para outro, dançando entre as versões sem parar em lugar algum. E é um exercício constante avaliar se conseguiremos chegar a algum lugar ou se teremos nós também que nos resignar com a dúvida angustiante.
A certa altura da história o prefeito é chamado a intervir, e impõe sua autoridade de forma violenta sobre o misterioso homem, mesmo já estando ele mortificado por tanta especulação sobre sua vida. Desnecessário dizer que é uma violência inútil para se chegar à verdade. E esse risco nós também corremos: obstinados em sair da incerteza utilizarmos nosso lugar de poder para devassar a vida e alma de pessoas, não raro inutilmente.
O debate sobre o tema é extenso e não admite respostas fáceis. O que eu acho é que estamos todos até hoje perplexos diante da pergunta de Pilatos: “Que é a verdade?” (que nem Jesus respondeu).
Em caso de incêndio…
Você já esteve num incêndio? Eu já – há poucos dias. Acredite: a experiência é aterradora. Para mim, mais do que o medo da morte, a sensação de perda de controle foi o mais angustiante.
Sábado à tarde estava com minha esposa vendo um filme quando senti um cheiro de queimado. Não parecia vir de casa, então fui olhar pela janela do apartamento. Assustei-me com a quantidade de fumaça vinda do primeiro andar e resolvi checar. Pedi à minha esposa que esperasse e desci pela escada, mas lá pelo terceiro andar vi que situação era grave: a fumaça espessa já dominava a escada de emergência, e embora o calor não fosse intenso percebi que se tratava de um incêndio. Corri escada acima para buscar minha esposa e pegar panos molhados para cobrir o rosto. Tarde demais: ao tentarmos descer novamente a fumaça já impedia a visão e a respiração na escada toda, nos cegando e sufocando. “Não há mais o que fazer” pensei “Vamos para a sacada”. Voltamos para o apartamento, e da janela pude ver que a fumaça, pelo menos do lado de fora, diminuíra. Em alguns minutos vimos jatos de água saindo do primeiro andar (funcionários do condomínio conseguiram invadir o apartamento e acionar a mangueira de incêndio). Soubemos depois que a causa do incêndio foi um aquecedor de ambiente, e que ao desligarem a energia do andar para combater o fogo, inadvertidamente o exaustor da escada foi também desligado, transformando-a numa caixa de fumaça.
O ser humano tem a necessidade de se sentir no controle das situações, mesmo que não esteja. Num estudo de revisão muito bom sobre o assunto os cientistas mostraram que essa necessidade é detectável já em crianças pequenas, e mesmo os animais claramente preferem situações de autonomia, mesmo que a possibilidade de escolha não traga ganhos reais. Em situações de estresse, até mesmo a ilusão de haver possibilidade de escolhas reduz o sofrimento psíquico, provavelmente por atuação dos centros de recompensa do cérebro, que diante da mera ilusão de autonomia já produzem sensação de bem estar. Finalmente, todos os estudos confirmam que retirar de alguém a autonomia é um fator de enorme desgaste emocional e sofrimento mental. Provavelmente o gosto intenso pelo poder de escolha é adaptativo, fincado em nosso cérebro pois sem ele tenderíamos à passividade total, ficando (ainda mais) à mercê do acaso.
Acho que foi por isso que o momento mais angustiante do incêndio, para mim, foi quando me vi sem escolha, sem alternativa alguma a não ser voltar para meu apartamento e esperar. A falta de controle mostrou todo seu poder estressor.
E se no final das contas ninguém se feriu, isso só ocorreu graças aos seres humanos que exerceram seu poder de escolha, enfrentaram o fogo e – felizmente para nós e para seus cérebros – controlaram a situação.
Leotti, L., Iyengar, S., & Ochsner, K. (2010). Born to choose: the origins and value of the need for control Trends in Cognitive Sciences, 14 (10), 457-463 DOI: 10.1016/j.tics.2010.08.001
O lado bom do boom do Rivotril
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Eu não recebo dinheiro da indústria farmacêutica, não sou ligado a nenhum laboratório e sou também dos que acham que existe uma pressão para a venda de medicamentos em geral, e medicamentos psiquiátricos em particular, aproveitando-se da intolerância das pessoas ao sofrimento. Quando eu ainda era aluno ouvi o ilustre professor György Böhm chamar esse fenômeno de “sociedade do analgésico”, já que, para ele, desde que se tornara fácil aliviar as dores as pessoas vinham se tornando progressivamente mais incapazes de lidar com o sofrimento.
Leia a íntegra no Portal Estadão.